Paraná gera quase 5,9 milhões de toneladas de entulho por ano
Caderno técnico do Crea-PR aponta que 98% desse material poderia ser reaproveitado, mas atividade ainda é incipiente13 de janeiro de 2020, às 14h37 - Tempo de leitura aproximado: 7 minutos
Falou em obra – que seja uma reforma simples em casa – e já pensamos em cimento, gente de um lado para o outro, restos de material de construção. Resumindo: bagunça, sujeira e entulho. Muito entulho. Agora multiplique isso por milhares de residências no Paraná. O resultado é 5,9 milhões de toneladas de resíduos gerados pela construção civil todos os anos. Os dados levam em consideração o índice do Ministério do Meio Ambiente, de 520 kg de RCC (resíduos da construção civil) por habitante/ano, e a população estimada pelo IBGE em 2019.
E aqui, uma boa e uma má notícia. Primeiro, a boa: cerca de 98% desse material (principalmente entulho e madeira) poderiam ser reciclados, dentro do próprio canteiro ou em centrais externas especializadas. Agora, a má notícia: o Caderno Técnico sobre Resíduos Sólidos publicado pelo Crea-PR aponta que a atividade ainda é incipiente, pouco debatida, tanto que um dos principais problemas do segmento é exatamente a falta de dados confiáveis.
Veja mais matérias como esta em nosso especial no G1
De acordo com o presidente da Associação Paranaense dos Engenheiros Ambientais (APEAM), Luiz Guilherme Grein Vieira, que é também responsável pela atualização do Caderno Técnico do Crea-PR, o cálculo do setor é de que o Brasil reaproveita 21% dos resíduos da construção civil. Na Alemanha, por exemplo, o índice chega a 90%. Um verdadeiro 7 a 1 no canteiro de obras. “No Brasil, esse material é muito utilizado para fazer terraplanagem e aterramento de áreas úmidas, como encostas e fundos de vale, para imóveis que têm baixo valor. E boa parte desses aterramentos é feita de forma irregular. Além disso, para levar o resíduo de uma construção para uma usina de reciclagem, você tem um custo. Para levar a um local inadequado e aterrar, não é cobrado nada. Esses são os principais entraves”, avalia.
Segundo Vieira, o Plano Estadual de Resíduos Sólidos do Paraná (PERS/PR), de 2017, mostrou que, dos 81 municípios que responderam à pesquisa, 92% destinavam os RCCs em locais inadequados, ou seja, sem a devida licença ambiental. “Além disso, parte dos resíduos de construção é composta por materiais perigosos, como tinta, solvente, EPIs contaminados, que, destinados de forma inadequada, podem contaminar o solo, a água subterrânea e a água superficial, causando impactos ambientais e vários problemas de saúde. O entulho também é um atrativo grande de vetores, como ratos e moscas, que podem causar doenças para a população”, acrescenta.
Para o Engenheiro Ambiental e Presidente da Associação Norte Paranaense dos Engenheiros Ambientais (Anpea), Rafael Coelho Ciciliato, o gerenciamento de resíduos de construção civil deve ser pensado antes de qualquer obra. “As pessoas geralmente lembram do custo do tijolo, do cimento, da mão de obra, mas esquecem que os resíduos precisam de uma destinação correta. Afinal, é importante ter uma obra com um resultado bonito e também beber uma água saudável e com qualidade”, aponta. “Se as leis existem, são para o bem. Acredito que, a partir do momento em que a legislação ambiental é enfraquecida, o descarte irregular de resíduos aumenta. Isso favorece a atuação de pessoas que não estejam com a documentação em dia e que fazem o descarte em fundos de vale, aterros clandestinos ou propriedades rurais. A criatividade dessas pessoas não tem fim”, diz.
Para um gerenciamento correto, é importante que os projetos civil, elétrico, sanitário e arquitetônico sejam compatíveis. Diante disso, é imprescindível a presença de um Engenheiro Ambiental devidamente habilitado e cadastrado no Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Paraná (Crea-PR) para a criação do PGRCC. “Esse profissional teve uma carga horária de aulas assistidas na universidade, em laboratório, em campo, estágio que o capacitou para atuar na área. Após a formação, o órgão de controle, que é o Crea-PR, tem a função de fazer o balizamento dos profissionais habilitados. Tudo isso em prol da população e da melhoria de qualidade de vida da sociedade”, comenta Ciciliato. Segundo ele, ainda falta conscientização. “Na internet existem inúmeros planos de RCC prontos, mas apenas um Engenheiro Ambiental vai trazer a experiência ao processo, evitando desperdícios de todos os fatores que envolvem uma obra”, conclui.
Solução para pequenos geradores
O recomendado para toda obra, seja pequena ou grande, é a contratação de um Engenheiro Ambiental para atuar na elaboração de um plano de resíduos de construção civil. No entanto, a lei não exige a elaboração de um plano para pequenos geradores.
Nestes casos, o proprietário de um imóvel, pode fazer o descarte em caçambas. O Engenheiro Ambiental Marcos Vinicius Costa Rodrigues explica que o ideal é separar os resíduos conforme a classificação definida pela Resolução nº 307/2002 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) e Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS). Nela, os RCCs são classificados em A, B, C e D. A classe ‘A’ engloba os materiais de construção que podem ser reutilizados como agregados na própria obra, como no solo e terraplanagem. Os materiais recicláveis como plástico, papel, metal e vidro compõem a classe ‘B’. Já a classe ‘C’ inclui resíduos sem tecnologia ou inviabilidade econômica de reciclagem. Por fim, a classe ‘D’ trata dos resíduos perigosos como tinta, solvente e óleo.
“Uma sugestão para o pequeno gerador é separar todo resíduo reciclável, por exemplo, de classe ‘B’, e descartá-lo na coleta seletiva. Ele consegue economizar porque a taxa dessa coleta já é paga normalmente nas taxas municipais, como no carnê de IPTU, por exemplo. Portanto, é um volume que se economiza nas caçambas”, diz. Já no canteiro de obras da casa, o proprietário pode destinar um pequeno espaço para o entulho. “Dependendo do resíduo, pode ser reaproveitado na própria obra ou descartado em uma caçamba, cuja empresa destinará para o local adequado, normalmente, uma usina que atue no ramo de forma legal, com as devidas licenças exigidas pelas legislações estaduais e municipais”, acrescenta.
Rodrigues ainda salienta que qualquer reforma estrutural precisa da contratação de um Engenheiro Civil. “Esse profissional precisará emitir uma Anotação de Responsabilidade Técnica (ART) junto ao Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Paraná para regularizar essa obra perante a lei. A presença de um Engenheiro Ambiental em parceria com o Engenheiro Civil é importante e traz um olhar mais atento aos resíduos gerados na obra”, enfatiza.
Construtoras responsáveis fazem separação de RCCs no canteiro de obras
Construtoras responsáveis pensam na geração de RCCs antes de começar a obra. É o que faz a MRV. De acordo com o Engenheiro Ambiental e de Segurança do Trabalho, Marcos Aurélio Araújo Santiago, o processo é feito em várias etapas. “A separação precisa ser feita na fonte geradora, do contrário, fica praticamente impossível separar”, pontua. “O primeiro passo é definir quais são os setores da obra e o que cada um gera. Feito o mapa de geração, o segundo passo é criar uma maneira de armazenar os resíduos de maneira simples e inteligente”, diz. Segundo ele, são definidos locais e recipientes adequados para cada tipo de resíduos. “Chamamos esses locais de baias. Nelas, a intenção é juntar um certo volume para que seja viável o recolhimento por parte dos nossos prestadores de serviço. Temos parcerias com cooperativas de reciclagem, por exemplo”, menciona.
Benefícios
A educação ambiental é um processo de médio a longo prazo. É o que diz o Engenheiro Ambiental da MRV. “Não temos muitos problemas em relação aos nossos colaboradores, que na medida do possível fazem corretamente o processo de separação. Porém, a reeducação ambiental precisa ser reforçada sempre, para que não caia no esquecimento e vire um hábito.”, diz. “Dentro da rotina, o ambiente fica mais confortável. Reaproveitamos alguns materiais para confecção de hortas, o que torna o local mais agradável para trabalhar.”
Responsabilidade ambiental também gera economia. “Gastamos menos com o transporte e destinação de resíduos. Uma caçamba de entulho, por exemplo, é muito mais barata que uma caçamba de mix. E na questão macro, colaboramos para a preservação do meio ambiente”, finaliza.
Campanha
E o Crea-PR está junto com a Abrecon – Associação Brasileira para Reciclagem de Resíduos da Construção Civil e Demolição – em sua campanha de combate ao descarte irregular de entulho, ação que tem como objetivo convencer os Técnicos, Engenheiros e demais profissionais da construção sobre os perigos do descarte irregular de entulho.
Conscientize-se, profissional!
Boa tarde, gostaria de saber quem foi o autor responsável por esse caderno técnico?
Olá, Marlon. Tudo bem?
Foram os profissionais: Eng. Ambiental Ian Ribeiro; Eng. Ambiental Luiz Guilherme Grein Vieira e Eng. Ambiental Roberta Gregório.
Você pode verificar todos nossos Cadernos Técnicos aqui.
Infelizmente, apesar da Resolução CONAMA ser de 2002, ainda existe muito descarte irregular dos resíduos da construção.
Por esse tipo de resíduo ser conhecido como inerte (apesar da geração de resíduos perigosos pelo setor – ex. tintas, solventes) a fiscalização em relação ao descarte irregular também deixa a desejar.
Em relação aos pequenos geradores, seria interessante centrais de coleta, pois em muitos municípios os coletores existentes não possuem licença para atuar, sendo que a população fica sem opção para uma destinação adequada.
Ótimo texto!
Sugestão de correção: Gesso passou a ser enquadrado como Classe B e não mais Classe C, com a Resolução CONAMA 431/2011.
Olá Juliana, boa tarde! Fizemos a correção no texto, obrigada pela observação.